terça-feira, dezembro 23, 2008

O rastilho

A morte, alegadamente à queima-roupa e às mãos da polícia, de Alexandros Grigoropoulos, um jovem de 15 anos, de Exarcheia, tido como um dos subúrbios mais problemáticos da capital grega, fez alastrar por todo o país um movimento de revolta espalhando o caos, desobediência civil, cocktails-molotov, lojas saqueadas, bancos queimados, viaturas incendiadas, centenas de prisões...
Passados mais de 15 dias do seu início a revolta não tem parado e Atenas continua a ferro e fogo, com uma parte significativa da juventude grega envolta nos motins. Inicialmente pensou-se que seriam apenas grupos organizados de tendências anarquistas ou de extrema esquerda, mas o problema é muito mais grave e merecedor de ampla reflexão.
Pela primeira vez desde há várias décadas a geração actual de jovens gregos sente que irá ter uma vida pior que a dos seus pais. O desemprego atinge 23% dos jovens gregos e os que têm trabalho é precário e mal pago, a chamada geração 700 euros. O fosso social entre ricos e pobres e os mais jovens aumentou exponencialmente, o ambiente de crise económica generalizada e um Governo conservador com políticas fiscais e de controlo do défice público impopulares, fragilizado, a braços com um escândalo de corrupção, fazem com que o clima de contestação se generalize.

"O assassínio foi só a gota de água! Queremos dizer ao Governo que não podemos viver. Eu ganho 800 euros por mês e pago 200 por um quarto alugado. E muitos só ganham 500. Há aqui anarquistas, comunistas, socialistas, tudo." - declarou um jovem estudante a um jornal espanhol. Estas declarações, quanto a mim, não poderiam resumir melhor a situação que se vive na Grécia. O mais inquietante é que os paralelismos em relação a Portugal são impressionantes! Atrevo-me mesmo a dizer que a situação social e económica é em tudo idêntica à nossa! Quantos são os jovens portugueses que investem 16 anos ou mais de estudos para acabarem atrás de uma caixa no Modelo, a dobrar camisolas na Zara ou a arrumar livros na FNAC a troco de uns míseros 500 euros de salário? Uns bons milhares certamente... Os poucos que conseguem alcançar um bom estatuto económico têm excelentes competências ou então estão salvaguardados com os célebres cartões rosa e laranja, correspondente a um bom tacho político... Enquanto isso são os casos BPN, BPP, milhões de euros nos bolsos de uns poucos mafiosos que se passeiam impunemente por este país fora... O medo e o desespero da juventude portuguesa é exactamente a mesma que o da juventude grega, sentem que vão ter uma vida pior que a da geração antecessora e temo que algo semelhante ao actualmente vivido na Grécia possa acontecer em Portugal, basta ocorrer o rastilho...

2 comentários:

Ga b riel Ba lta zar disse...

Olá JP mais uma vez não pude ficar indiferente a este texto que pode servir de alerta a toda a gente.
Espantou-me imenso toda a mobilização ocorrida na Grécia devido à morte de um estudante. Costuma-se dizer e o nosso Zeca já o dizia e cantava "o povo é quem mais ordena!".

"O medo e o desespero da juventude portuguesa (...) sentem que vão ter uma vida pior que a da geração antecessora e temo que algo semelhante ao actualmente vivido na Grécia possa acontecer em Portugal, basta ocorrer o rastilho... "

----» Este teu comentário fez-me recordar um vídeo que saiu na noite de Natal na internet de um aluno "a brincar" com uma professora numa escola portuguesa e a apontar-lhe uma pistola de plástico para lhe dar positiva. Mas a questão não é esta, a questão é que a "perseguição" feita a alunos devido a indisciplina ou a "suposta indisciplina", patrocinada e "pintada" pela própria comunicação social pode em primeiro plano revoltar professores, depois o povo em geral que não sabe o que se passa verdadeiramente numa sala de aula, e depois o Governo que ou muito me cheira ou com a sucessiva divulgação destes vídeos... pode levar o Min. Educação a adoptar novas medidas (mudando o estatuto do aluno e do professor e implementar uma espécie de "ditadura dentro da aula")...

...pode por exemplo em caso de greves de alunos que quando lutam pelos seus direitos levar a polícia a ser mais repressiva nas suas acções (como aconteceu numa das últimas greves «pós caso Michaelis no Porto») e quem sabe provocar o tal "rastilho" que houve na Grécia e aí sim, com a actual crise mundial, com as pessoas fartas dos PS'SD'S, de "Sócras e Manuelas", a revolta acontecer e extravazar para toda a sociedade.

É muito triste verificar que quem tenha o 12º ano lhe sejam impostas dificuldades para arranjar um mísero trabalho. É triste verificar que nas montras de padarias ou pastelarias esteja escrito "Pede-se EMPREGADA" impondo a discriminação aos desempregados que até lhes custa pôr as mãos à cabeça de tantas dificuldades impostas. É triste neste país saber que pessoas com habilitações literárias abaixo do 12º ano consigam melhores condições para arranjar emprego do que quem tenha o 12º....

Pasma-me a situação na Grécia mas se fosse em Portugal não me espantaria, aliás se o Vitor Constâncio continuar a aparecer nos jornais pelas duas razoes do costume ("Pedir para os portugueses aguentarem os tempos dificeis que se aproximam" e "O facto de receber 18 vezes mais que o salario minimo nacional") então parece-me que estará na altura desta gente sair á rua e resolver a situação nacional!

Sinto mesmo que a minha geração está neste momento a levar com os erros de um povo que não soube votar nestes últimos anos, que votou apenas pelo aspecto dos políticos que dão a cara e não pelo seu programa eleitoral.

Abraços.

João Caniço disse...

Gabriel, depois de todo este teu fantástico espírito crítico pouco mais tenho a dizer. Concordo quase em absoluto com o teu comentário. É no mínimo incoerente fazer-te um grande eco acerca do 'Dá-me o telemóvel já' e deixar para um plano quase esquecido a violência doméstica que desgraça muitos dos lares portugueses e que tem matado bastantes mulheres! Isso sim é gravíssimo e vejo a comunicação social a dar pouquíssimo ênfase a essa terrível situação!
Sempre houve crianças rebeldes e mais avessas ao disparate, portanto acaba por ser um pouco normal ocorrerem estas situações, embora não deixe de salientar que hoje em dia os adolescentes são um pouco mais mal educados do que na minha altura e que não tenham grande respeito pelos professores, mas isso acaba por ser reflexo da nossa sociedade que mal tempo dá aos pais para educar os filhos, enfim é um triste ciclo vicioso que vai minando a sociedade em geral...
Sobre a situação vigente em Portugal penso que é a normal consequência de 32 anos do chamado 'capitalismo de favores' que fazem parte PS, PSD e CDS, em que o 'tacho' político e nas empresas privadas corroí os alicerces de uma democracia saudável! É urgente uma viragem à esquerda! O 'socialismo' não é uma utopia e é claramente um sistema mais justo do que o capitalismo! Os portugueses têm que reflectir e verem que 20% estão abaixo do limiar da pobreza e apenas uma franja mínima de capitalistas vivem bem neste país, tudo à conta de negócios pouco transparentes com o estado nestes 32 anos! Espero melhorias nas próximas Legislativas, embora saiba que não será o suficiente, pode contudo ser um bom recomeço, a ver vamos...
Abraços