domingo, janeiro 18, 2009

O poeta da revolução


Passam hoje exactamente 25 anos desde a morte de José Carlos Ary dos Santos, um dos maiores poetas portugueses do século XX.
Nascido em Dezembro de 1937 em Lisboa e oriundo de uma família da alta burguesia, Ary dos Santos, vê publicados aos 14 anos, através de familiares, alguns dos seus poemas, considerados maus pelo autor. No entanto, aos 16 anos revelaria verdadeiramente as suas qualidades poéticas ao ver os seus poemas serem seleccionados para a Antologia do Prémio Almeida Garret.
É nessa altura que Ary dos Santos abandona a casa da família, exercendo as mais variadas actividades para o seu sustento económico, nomeadamente na área da publicidade. Entretanto, o poeta não deixa nunca de escrever dando-se a sua estreia efectiva com a publicação do livro A Liturgia do Sangue em 1963.
Em 1969 torna-se militante do PCP, participando de forma activa nas sessões de poesia intitulado canto livre perseguido.
Autor de mais de 600 poemas para canções, Ary dos Santos fez no meio muitos amigos tendo-se tornado conhecido do grande público através das letras que escreveu para músicas de Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Simone de Oliveira, Fernando Tordo, Paulo de Carvalho, Tonicha entre outros grandes nomes da época.
Concorre ao Festival RTP da Canção com os poemas Desfolhada Portuguesa (1969), Menina do Alto da Serra (1971) e Tourada (1973) vencendo os primeiros prémios. Gravou, ele próprio, textos ou poemas de e com muitos autores e intérpretes e ainda um álbum duplo contendo O Sermão de Santo António aos Peixes do Padre António Vieira.
Ostracizado por uma parte significativa da sociedade portuguesa em virtude da sua condição de homossexual assumido e militante comunista convicto deixou-nos um legado enorme de poemas sobre a Revolução de Abril, escritos entre 1974 e 1984, em que exalta o dia a dia dos impetuosos avanços revolucionários que se seguiram ao derrube do fascismo, a glorificação do papel da classe operária, da força dos trabalhadores organizados, a festa das conquistas alcançadas através da luta, a exaltação da resistência face à ofensiva contra-revolucionária, as alegrias e as tristezas, a confiança e a certeza dos que nunca se cansam de lutar e que transportam consigo as sementes do futuro.
Faleceu aos 48 anos cheio de álcool, solidão e amargura. O seu nome foi dado a um largo do Bairro de Alfama, descerrando-se uma lápide evocativa na casa da Rua da Saudade, onde viveu grande parte da sua vida.
Foi um dos mais talentosos e singulares poetas da sua geração, reconhecido pela sua linguagem irreverente e ágil, contribuindo decisivamente para a evolução da música popular portuguesa e do fado. Como o próprio Ary dos Santos dizia, a poesia era a maneira que tinha de falar com o povo porque ser poeta é escolher as palavras que o povo merece.

Para ilustrar o post escolhi um poema brilhante de Ary dos Santos interpretado pela voz única de Carlos do Carmo e como não poderia deixar de ser um soneto, o meu favorito de Ary dos Santos, dedicado a Inês de Castro.



Carlos do Carmo "Um Homem na Cidade"


Soneto de Inês

Dos olhos corre a água do Mondego
os cabelos parecem os choupais
Inês! Inês! Rainha sem sossego
dum rei que por amor não pode mais.

Amor imenso que também é cego
amor que torna os homens imortais
Inês! Inês! Distância a que não chego
morta tão cedo por viver demais.

Os teus gestos são verdes os teus braços
são gaivotas poisadas no regaço
dum mar azul turquesa intemporal.

As andorinhas seguem os teus passos
e tu morrendo com os olhos baços
Inês! Inês! Inês de Portugal.

Ary dos Santos

Sem comentários: