domingo, setembro 20, 2009

Lendas do Relvado: Bobby Robson


Bobby Robson foi um verdadeiro campeão, um lutador que das minas de carvão de Durham entrou no futebol para ser mestre, exemplo de fair-play e vencedor por essa Europa fora.

Habituou-se desde muito cedo à luta, quando começou a trabalhar como electricista nas minas de carvão de Durham (Nordeste de Inglaterra). Agarrou teimosamente o sonho do futebol, traçando o objectivo de escapar ao destino mineiro que perseguia a sua família.

Consegui-o logo aos 17 anos, assinando contrato profissional com o Fulham. Estreou-se pouco depois na First Division, denominação à época para o principal campeonato inglês. No final da temporada seguinte (1951-52) o Fulham era relegado para a divisão inferior, continuaria por mais quatro temporadas em Craven Cottage evoluindo o seu jogo como avançado interior.

No início de 1956 assina pelo West Bromwich Albion, a troco de 25 mil libras, recorde de transferências da altura, regressando deste modo ao principal escalão do futebol inglês. No ano seguinte chega à equipa nacional. Disputa as fases finais dos Mundiais de 1958 e 1962. No total alinha em 20 jogos e aponta 4 golos pela selecção da rosa.

Em 1962 regressa ao Fulham onde se manteve até 1967, altura em que encerra a carreira com 34 anos de idade. Começa então a aventura como treinador, primeiro experiência falhada no Canadá ao serviço do Vancouver Royals. Em Janeiro de 1968 assume o comando de um Fulham em situação crítica na tabela, não consegue evitar a despromoção. Deixa o emblema londrino em Novembro do mesmo ano.

Na época seguinte assume os destinos do Ipswich Town, modesto clube do Leste de Inglaterra. Principia aí verdadeiramente a escalada rumo ao topo do futebol europeu, nunca virando a cara à luta e sempre sem vender a personalidade e o carácter. Depois de quatro temporadas medíocres consegue levar o clube ao 4º lugar na First Division em 1973. Conquista o primeiro título, a Taça de Inglaterra, em 1978 frente ao Arsenal. A coroa de glória dá-se com o triunfo na Taça UEFA de 1981 defronte do AZ Alkmaar, duas partidas épicas, 5-4 no total. Nessa época e na seguinte é vice-campeão inglês. O excelente trabalho de 13 anos no Ipswich Town é reconhecido pelos dirigentes da FA e assume o cargo de seleccionador nacional.

Desde 1970 que Inglaterra não conseguia sequer uma participação digna em fases finais de uma grande competição. Falha a qualificação para o Euro'84, apesar de alguma contestação continua no cargo. Leva Inglaterra aos quartos-de-final do México'86, desafio épico frente à Argentina, envolto em contornos políticos devido à recente guerra das Malvinas entre os dois países. El Pibe Maradona realiza o melhor jogo da carreira, apontando o golo do século e o golo da mão de Deus! Robson declara no final: "Não foi a mão de Deus. Foi a mão de um canalha. Deus não tem nada a ver com isso."

O Euro'88 é para esquecer, três derrotas na fase final perante Eire, URSS e RFA levam Robson a colocar o lugar à disposição, não aceite pelo presidente da FA. O Itália'90 é a derradeira oportunidade para levar Inglaterra à conquista do ceptro mundial. A equipa era fortíssima, destacavam-se Shilton, Pearce, Bryan Robson, Waddle, Beardsley, Lineker, Barnes, Platt e o irascível Gascoigne.
O desafio dos quartos-de-final frente aos Camarões é o melhor da competição, apenas decidido no prolongamento, 3-2 para os ingleses. Na meia-final a arqui-rival RFA. 1-1 após prolongamento no Olímpico de Roma. O esquerdino Pearce falharia o penalty decisivo, os alemães estavam na final e os ingleses ficariam pela 4ª posição, batidos depois pelos italianos.

O mundo de Robson não estava confinado às ilhas, olhava para além no horizonte, aparecendo na temporada seguinte ao comando dos holandeses do PSV, onde brilhava Romário. Sagra-se bi-campeão e aceita o desafio do Sporting de vir para Lisboa em 1992 contando com um tal de José Mourinho para tradutor...
O primeiro ano serve para arrumar a casa e formar uma equipa fabulosa para a época seguinte com Balakov, Juskowiak, Valckx, Iordanov, Cadete, Paulo Sousa e os jovens promissores Figo, Peixe e Cherbakov. Em Dezembro de 1993 segue na liderança do campeonato, mas é eliminado da Taça UEFA de forma surpreendente pelo modesto Casino Salzburgo, que contra todas as previsões atingiria a final da competição. O presidente Sousa Cintra, desejoso de contratar Carlos Queiroz para treinador, demite Robson, numa decisão totalmente incompreensível... Como um mal nunca vem só, na noite do jantar de despedida do técnico inglês, Cherbakov sofre um grave acidente de viação, fica paraplégico, terminando de forma abrupta uma carreira deveras promissora...

O astuto, Pinto da Costa, desgostoso com o trabalho de Ivic, não perde tempo e convence Robson a mudar-se para o Porto, levando com ele Mourinho. Já não vai a tempo de vencer o campeonato, mas ainda consegue conquistar a Taça de Portugal. Nos dois anos seguintes ganha de forma tranquila o campeonato português, chamando a atenção do colosso Barcelona, em busca do sucessor de Cruijff. Aceita o convite, ruma à cidade condal no Verão de 1996, levando novamente consigo Mourinho, há muito convertido no seu braço direito.

A temporada 1996/97 ficaria marcada pelo fenómeno Ronaldo. O jovem fora de série brasileiro realizaria uma época simplesmente fantástica ao serviço do Barcelona, catapultando o emblema catalão para a conquista da Taça das Taças, da Taça do Rei e da Supertaça de Espanha. Robson apenas falharia a conquista do campeonato espanhol, muito por culpa de um sistema de jogo ultra-ofensivo, que facilitava o contra-ataque das equipas adversárias, apanhando em contra-pé a lenta dupla de centrais formada por Fernando Couto e Laurent Blanc...
Robson foi eleito o treinador europeu do ano, mas nem isso demoveu a direcção do Barcelona de contratar o holandês Van Gaal para comandar a equipa, oferecendo ao inglês o cargo de director desportivo. Bobby Robson aceitou o convite e foi o manager dos blaugrana durante um ano.

O apelo do banco foi mais forte e Robson regressou a Eindhoven para comandar o PSV na temporada 1998/99. Desta vez não foi feliz, conseguindo apenas a 3ª posição no campeonato, qualificando in extremis o PSV para a pré-eliminatória da Champions.
Termina o contrato com o clube holandês e regressa a Inglaterra no Verão de 1999. Em Setembro, Gullit é demitido do comando técnico do Newcastle e Robson tem finalmente a oportunidade de treinar o clube do seu coração. Durante cinco temporadas lidera os magpies, conseguindo por duas vezes a qualificação para a Champions. Em 2003 consegue alcançar um extraordinário 3º lugar na Premiership. Na temporada seguinte baixa para 5º. O mau arranque na temporada 2004/05, aliado a vários problemas internos fazem com que seja demitido do comando técnico dos magpies a 30 de Agosto de 2004, data oficial da sua retirada do futebol.

Durante os últimos 17 anos lutou contra vários tipos de problemas cancerígenos, tendo demonstrado sempre uma tenacidade enorme em vencê-los e uma alegria contagiante em viver. Driblou a doença em 1992 quando teve cancro nos intestinos, em 1995 quando esta surgiu sob a forma de melanoma maligno, em 2006 quando esta atacou com um tumor no cérebro e outro nos pulmões.
Em Março de 2008 cria a Fundação Bobby Robson, para a pesquisa de novos tratamentos na luta contra o cancro. Um ano antes é-lhe diagnosticado pequenos nódulos cancerígenos nos pulmões que o levam à morte no passado dia 31 de Julho de 2009, uma data triste que marca o adeus a um gentleman do futebol.


4 comentários:

Anónimo disse...

JP, parabéns pelo seu texto. Fantástico. Uma digna homenagem ao gentleman Robson.

Não sei se vc teve a oportunidade de assistir a vídeos mais recentes dele que estavam disponíveis na BBC. Quando fiz minha pesquisa para escrever o post no 'PDV', vi momentos muito emocionantes vividos por Robson nos últimos anos de vida. Me emocionei, por exmeplo, ao vê-lo quando recebeu a chave da cidade de Ipswich em 2008, já abtido pelo cancro.

Enfim, todas as homenagens a ele valem a pena, pois ele dignificou o esporte que tanto amamos pelo seu fair play.

João Caniço disse...

Muito obrigado, Cyntia.
Robson, para além de ter sido um excelente treinador foi um verdadeiro exemplo de 'fair-play', algo que justifica sempre destaque no futebol.
Merece certamente todas as homenagens que lhe têm sido atribuídas.
Beijos

Michel Costa disse...

Faço coro à Cyntia quando ela elogia o texto. Muito bom mesmo e uma homenagem justa ao grande Bobby Robson.
Aliás, a frase "Não foi a mão de Deus. Foi a mão de um canalha. Deus não tem nada a ver com isso." é emblemática e revela o seu caráter.
E que timaço esse do Sporting! Não sabia que os Leões tinham reunido tantos grandes jogadores ao mesmo tempo.

Grande abraço.

João Caniço disse...

Os meus sinceros agradecimentos, Michel.
Sem dúvida, Robson, para além do enorme 'fair-play' que o caracterizava era um homem coerente e frontal, não fazia 'fretes' nem 'engolia sapos'. Essas declarações para com o polémico golo de Maradona revelam isso mesmo.
É verdade, o Sporting em 1993 possua uma equipa fantástica, capaz de quebrar o jejum de títulos, que já durava há mais de uma década. Infelizmente, uma inesperada derrota e eliminação da Taça UEFA em Salzburgo precipitaram a saída de Robson, numa péssima decisão do presidente Sousa Cintra, que contratou Queiroz, recentemente afastado do comando da selecção portuguesa. Robson deixou o Sporting em 1º, lugar que Queiroz não soube manter ao perder contra o Benfica em Alvalade no jogo do título. 6-3 para os 'encarnados' no jogo da vida de João Pinto.
Um forte abraço