quarta-feira, agosto 31, 2011

os vampiros



abram alas, deixem passar
vem aí o infame neoliberal
mundos e fundos ao povo urge cortar
em submissão ao patrão neandertal

proletário amorim, pobre coitado
(e eu sou o pai natal)
com belmiro, ulrich e salgado
quem precisa de eixo do mal

desempregados, assalariados,
recibos verdes e afins
contentemo-nos com trocados
enquanto mamam ouro e marfins

mercados, invariavelmente nervosos
agências de rating, distorcem e aldrabam
são os vampiros, sequiosos
sempre a ver se nos encavam


José Afonso "os vampiros"
29 de Janeiro de 1983, ao vivo no Coliseu

sábado, agosto 20, 2011

À beira do sonho. Quem diria?

Nuno Reis, capitão e líder da selecção nacional sub-20
Verdadeiramente impressionante a maturidade táctica da jovem equipa portuguesa, acrescida de um espírito de combate absolutamente notáveis! Não é normal ver-se uma formação dos escalões de formação abdicar da irreverência própria da idade em detrimento de um sentido defensivo e colectivo dignos dos maiores elogios. Chegar à final de uma competição mundial após disputar 6 jogos (mais um prolongamento) sem sofrer qualquer golo deve ser caso inédito.


Como acérrimo defensor do futebol de formação comecei a acompanhar o Mundial de sub-20 mais por descargo de consciência do que com esperanças de um bom desempenho por parte da selecção nacional. A medíocre participação no recente Torneio de Toulon não parecia augurar grande futuro na prova, mas depois de não ter conseguido assistir ao nulo na estreia com o Uruguai, socorri-me do site oficial da FIFA para assistir aos restantes desafios da primeira fase, Camarões e Nova Zelândia, vitórias com golos solitários e actuações bastante seguras.


A passagem à segunda fase garantiu a transmissão do jogo com a frágil Guatemala por parte da RTP. Lamentável a atitude da televisão pública, que antes de ser privatizada, parece que já o é... O magro 1-0 e exibição sofrível pareciam condenar os jovens lusos relativamente ao poderoso rival seguinte, a Argentina, seis vezes campeã mundial. Assistiu-se a uma verdadeira batalha táctica, apenas decidida nas grandes penalidades, onde o travessão e duas grandes paradas de Mika garantiram a passagem à semi-final.


Contra a França, Portugal manteve a postura, a coragem e a enorme cultura táctica de toda a competição. Longe de apresentar um futebol deslumbrante, com incomparavelmente mais transpiração do que inspiração, abriam-se as portas da final. O adversário é o sempre fortíssimo Brasil, distante da histórica exuberância técnica, cada vez mais europeizado nos seus padrões de jogo. Para quem quiser conhecer em detalhe o oponente de mais logo é só clicar aqui e ler o magnífico texto do amigo Michel Costa


O futebol é um desporto colectivo e como tal deve-se sempre destacar a qualidade conjunta de uma equipa e não a soma das suas individualidades. A selecção portuguesa de sub-20 é um paradigma disto mesmo, vale como um todo, embora me pareça justíssimo realçar os desempenhos de alguns dos seus jogadores. Ao contrário de há 20 anos não existem Figos, Peixes, Rui Costas ou João Pintos, mas pontificam jovens talentosos e abnegados com bastante potencial.


É no mínimo estranho que o Sporting tenha passado grande parte do mercado de transferências em busca de centrais quando tem nas suas fileiras um defesa da categoria de Nuno Reis, novamente emprestado ao modesto Cercle Brugge. Não me recordo de ver o capitão perder um único lance durante a competição. Sóbrio, concentrado e eficaz, tem sido a grande referência defensiva da equipa, bem acompanhado pelo competente lateral-direito Cedric e pelo seguríssimo guardião Mika. O ponta-de-lança Nélson Oliveira joga praticamente sozinho no ataque o que não o impede de ser um verdadeiro quebra-cabeças para as defensivas contrárias. Fortíssimo em todos os aspectos da posição 9 tem potencial para ser a breve prazo o avançado-centro da selecção principal. O pequenino extremo/avançado Caetano tem dado nas vistas com os seus dribles e mudanças de velocidade. As semelhanças físicas com João Pinto dão de imediato azo a comparações futebolísticas. E o que dizer da extraordinária capacidade física, táctica e organizativa dos médios defensivos Danilo e Pelé? Passa essencialmente por eles grande parte do equilíbrio da equipa. 


Não poderão ser catalogados como desilusões, mas esperava melhores desempenhos por parte dos médios organizadores Sérgio Oliveira e Júlio Alves, visto que a grande lacuna da formação portuguesa reside na falta de eficácia das transições defesa-ataque, obrigando à prática de um futebol directo e/ou de contra-ataque puro e duro.


Com o futebol português refém das jogadas de bastidores de obscuros empresários responsáveis directamente pela importação industrial de jogadores estrangeiros, com a falta de aposta dos principais clubes no jovem jogador nacional e com uma direcção da FPF inexistente é um verdadeiro milagre esta selecção estar na final do Mundial. Parabéns aos jovens jogadores e, em especial, ao treinador Ilídio Vale que, não só soube resistir a todas as críticas (a maior parte delas injusta), como conseguiu colocar miúdos de 19 e 20 anos a defenderem como os mais ilustres intérpretes do catenaccio