quarta-feira, junho 19, 2013

Amizades inconvenientes

Os meus amigos liberais-reaccionários são aqueles que, vindos das zonas mais recônditas e pobres do país, apenas tiveram a oportunidade de frequentar formação académica superior graças ao Estado Social que lhes pagou propinas, bolsas de estudo, alojamento, electricidade, gás e água.

Os meus amigos liberais-reaccionários são aqueles que não perceberam que a recente greve dos professores teve como objectivo a defesa da escola pública e de qualidade para todos. Quem não percebe isso, não percebe nada. Ou então têm dinheiro a rodos e podem mandar os filhos estudar em escolas, colégios e faculdades privadas.

Os meus amigos liberais-reaccionários são aqueles que compreendem o direito à greve, mas apenas se não causar incómodo. Greves sim, mas apenas ao domingo à noite ou das seis às sete de preferência em frente ao cassetete. 

Os meus amigos liberais-reaccionários são aqueles que aqui há uns anos criticavam de forma veemente a emigração de leste e africana em Portugal, mas que hoje em dia já emigraram ou estão em vias de o fazer. 

Os meus amigos liberais-reaccionários são aqueles que grunhem à boca cheia de que os políticos e os partidos são todos iguais, mas chegada à altura de votar o fazem sempre e invariavelmente à direita. E depois fingem-se ou ficam muito surpreendidos por tudo continuar na mesma ou pior. 

Os meus amigos liberais-reaccionários são aqueles que, inconscientemente ou não, apoiam o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde esquecendo-se que daqui a uns anos provavelmente não terão dinheiro suficiente para suportar seguros de saúde que lhes garantam uma assistência médica digna. 

Os meus amigos liberais-reaccionários são aqueles que aplaudem as manifestações na Turquia e no Brasil, mas que já acham muito mal quando estas são feitas em Portugal. 

Os meus amigos liberais-reaccionários são aqueles que nunca têm uma linha ou uma palavra para criticar os crimes de colarinho branco (BPN's, BPP's, submarinos, swaps, PPP's,...), mas são sempre os primeiros a malhar no cigano e no preto que recebem rendimento mínimo. 

Os meus amigos liberais-reaccionários são aqueles que cantam odes à economia de mercado, à livre iniciativa, à propriedade privada dos meios de produção e ao empreendedorismo, mas que, afinal, nunca ousaram arriscar um cêntimo na criação do seu próprio posto de trabalho, preferindo continuar a serem explorados por terceiros. O conceito marxista de «mais-valia» é uma cena que não lhes assiste.