segunda-feira, janeiro 29, 2007

Crónicas Literárias: O Aborto - Causas e Soluções, Álvaro Cunhal


Inauguro hoje um novo espaço em que comento sobre algum livro que tenha recentemente lido.
Ora, li há pouco tempo a tese apresentada em 1940 para exame no 5º ano jurídico da Faculdade de Direito de Lisboa por Álvaro Cunhal. Apesar de ter sido escrito há 67 anos, achei interessante porque é um tema terrivelmente actual ou não fosse o referendo daqui a 15 dias mas, o que mais me surpreendeu foi realmente a data em que foi escrito: 1940! Sim, porque o livro se não apresentasse a data em que foi escrito eu diria que era recente dada a tremenda antecipação dos factos por Cunhal, ou seja, o que ele defendia há 67 anos é exactamente igual ao que hoje defendemos todos os que se batem pela despenalização! Sintomático mas, claro como a água!
Em termos gerais, Cunhal explica o contexto sócio-económico das principais potências europeias após a Revolução Industrial citando diversos autores da época pró e contra a despenalização, em especial a variação da população e as condições sociais em que viviam grande parte dos trabalhadores. Em seguida apresenta diversos estudos e dados sobre essas mesmas potências em que se verifica claramente que não é pela penalização das mulheres que se consegue erradicar o aborto! Bem pelo contrário... É sim pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores! Permite-se ainda ao "luxo" de criticar o sistema vigente em Portugal à época em que os abortos clandestinos eram feitos em degradantes condições de saúde e higiene e em que algumas mulheres eram condenadas à prisão...
Fazendo um pequeno parentesis é de realçar a coragem de Cunhal que tendo sido preso pela PIDE em Maio de 40, prepara a tese na prisão e passados poucos meses é escoltado pela polícia política à Faculdade para a sua defesa perante 3 professores conotados com a linha dura do regime entre os quais se destacava Marcello Caetano, que em 68 seria eleito o sucessor de Salazar... Embora, discordantes da posição e ideias de Cunhal os professores mediante a excelente tese não tiveram outro remédio senão classificá-la com 16 valores.
Voltando ao livro propriamente dito Cunhal termina a sua dissertação apontando o exemplo da URSS que fora o primeiro país a despenalizar o aborto e elogiando as condições de saúde e higiene em que a mulher o podia fazer nos hospitais públicos. Ao fim e ao cabo é o que nós defendemos hoje! Aconselho vivamente a ler quem estiver indeciso acerca do referendo ou apenas por mera curiosidade temática ou bibliográfica.


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