segunda-feira, dezembro 07, 2009

12 dias para salvar o planeta


A humanidade já perdeu a oportunidade de prevenir, pela raiz, as alterações climáticas. Interesses instalados, vistas curtas, incompetência política e muita inércia moral e intelectual condenaram-nos - a nós e às gerações futuras - a uma experiência sem paralelo no passado histórico. O que se vai decidir em Copenhaga é o nível de alterações climáticas que estamos dispostos a suportar. E como vão ser repartidos os respectivos custos e riscos.



A reunião climática que decorrerá entre 7 e 18 de Dezembro, na capital dinamarquesa, tem uma designação curiosa que poderá surpreender alguns leitores, ela é a COP15. Isso significa que não se trata de um evento único, mas sim a 15ª Conferência das Partes, isto é, a reunião de todos os países que desde 1992 foram aderindo à Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC). Por exemplo, o famoso Protocolo de Quioto foi assinado no decurso da COP3, realizada em Dezembro de 1997. Importa pois perceber quais as razões que fazem da COP15 uma reunião tão diferente e decisiva?

1. As alterações climáticas são hoje objecto de um consenso científico esmagador

Hoje sabemos mais do que o suficiente sobre o processo de alterações climáticas em que o nosso planeta se encontra mergulhado, para compreender a enorme gravidade da situação. Desde 1988, com a criação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), constituiu-se a maior rede científica da história humana, concentrada sobre a troca e a validação de informação sobre clima a nível mundial. Hoje existe um consenso esmagador sobre a realidade das alterações climáticas. As divergências que existem são apenas sobre o ritmo e o modo da sua expansão, bem como acerca dos meios para lhes oferecer combate.
Nos quatro relatórios já publicados pelo IPCC, bem como em centenas de estudos sectoriais de universidades e institutos, ficámos a saber que o actual motor das alterações climáticas é induzido pela modificação humana da estrutura química da atmosfera, nomeadamente pelo incremento das quantidades de dióxido de carbono (CO
2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), entre outros gases com efeito de estufa (GEE).
O gás referencial é o CO
2, por ser o que maior impacto tem, mas também por ser aquele que aprendemos a medir com mais rigor.
Desde 1750, no início da utilização de combustíveis fósseis em larga escala, até Setembro de 2009, a concentração de CO
2 na atmosfera passou de 270 ppm (num milhão de partes da atmosfera, 270 eram constituídas por CO2) para 384,79 ppm! É um aumento assombroso.
Basta ter em conta que nos últimos 600 mil anos as variações de CO
2 oscilaram entre um mínimo de 180 ppm (nos períodos de glaciação, mais frios) e 300 ppm (nos períodos interglaciares, mais amenos). Se o mundo não conseguir mudar o seu paradigma civilizacional, baseado na libertação, pela sua queima, de carbono da litosfera (onde se esconde o carvão, o petróleo e o gás natural) para a atmosfera, poderemos chegar ao final deste século com uma concentração de CO2 que será superior ao dobro do período pré-industrial... O aumento médio global da temperatura poderá atingir 6,4 ºC!

2. As alterações climáticas fazem parte da crise do ambiente

Mesmo se, por magia, retirássemos da equação contemporânea as alterações climáticas, as perspectivas de sobrevivência da humanidade ao longo do próximo século seriam bastantes complicadas e angustiantes. Estamos a perder diariamente a capacidade de carga dos ecossistemas, de que dependemos para viver com dignidade. A população humana continua a crescer num planeta que perde diversidade biológica, que erode ou esgota a produtividade dos solos aráveis, que contamina e desperdiça os recursos hídricos, que delapida o ambiente marinho, que continua, teimosamente, a depender de fontes de energia não renováveis.
Mais do que qualquer outro tema da crise ambiental, as alterações climáticas evidenciam, com clareza, que todos partilhamos a mesma atmosfera (e o mesmo planeta). Somos obrigados a cooperar na sua gestão racional, se não quisermos sofrer todas as consequências da subida incontrolada da temperatura média, do nível dos mares, o incremento das catástrofes naturais, os riscos de instabilidade social acrescida pela multiplicação dos refugiados ambientais, entre muitas outras nefastas consequências.

3. Mitigar e adaptar

Estas serão as duas matérias principais a debater em Copenhaga. Através da mitigação procura-se diminuir as emissões de GEE. Isso ocorre de duas maneiras: ou diminuímos a intensidade energética do estilo de vida (exemplo: quando o leitor deixa o automóvel em casa e usa transportes públicos); ou usamos uma fonte energética com baixo ou nulo teor em carbono (a electricidade de origem solar ou eólica, por exemplo. Pela adaptação procuramos prepararmo-nos, como sociedade, para as mudanças inevitáveis que vão ocorrer, mesmo se tivermos sucesso na mitigação. Isto é válido para todo o mundo, mas em particular para os países menos industrializados, que em quase nada contribuíram para a crise climática, mas se encontram entre as suas primeiras vítimas.
Basta olhar para a tabela
Emissões de CO2 em 2005 para ver as dificuldades em chegar a um acordo em matéria de mitigação. No protocolo de Quioto ficou definido, em termos práticos, o princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas, de acordo com o qual os países que mais cedo iniciaram o seu processo de industrialização (lançando em primeiro lugar carbono e outros GEE para a atmosfera) seriam aqueles a ter obrigações quantificadas de mitigação (no período de cumprimento que termina em Dezembro de 2012). Contudo, muitas questões estão sobre a mesa: como compensar o passivo histórico das emissões? Como incluir o comércio mundial na contabilidade das emissões, quando sabemos que, por exemplo, uma parte significativa do que a China emite se prende com a satisfação de consumidores ocidentais? Como equilibrar as emissões totais de cada país com o indicador mais fino que são as emissões per capita? Como contabilizar correctamente outras fontes mais difusas, como as que resultam da desflorestação, ou da agricultura (em particular, para o metano)?

4. A liderança política da União Europeia

Ao longo da última década a UE tem estado na liderança do combate às alterações climáticas. Dos grandes emissores, só a UE, para além de cumprir (e talvez ultrapassar) as metas de Quioto, apresenta uma estratégia ambiciosa de redução para 2020, e mesmo para 2050. Mas isso não é suficiente. Por duas razões: a) sem os EUA e a China nenhuma mudança significativa ocorrerá, pois o seu peso bruto em emissões é esmagador; b) a UE tem capacidade para metas ainda mais ambiciosas, tanto na mitigação como no apoio aos países menos desenvolvidos. Pode e deve ir mais longe, alargando a sua influência política no mundo, aumentando simultaneamente, a resiliência, competitividade e sustentabilidade da economia e do mercado europeu.
A UE teve o grande mérito de, partindo das melhores informações científicas disponíveis, tomar a decisão política, que hoje é quase consensual, de visar como tecto máximo para a concentração global dos GEE a meta dos 450 ppm de CO
2 equivalente (inclui os outros GEE). Isso equivalerá a uma subida da temperatura média global de 2 ºC. O leitor tem razão em considerar que isso é bastante perigoso. Muitos cidadãos e membros da comunidade científica pretenderiam estabilizar em 350 CO2. Mas esse nível já foi ultrapassado! Para Copenhaga, a meta de 450 CO2 equivalente implica o maior grau possível de ambição, sendo muitos os que consideram que até isso é irrealista...

5. O que podemos esperar de Copenhaga?

O objectivo de Copenhaga é o de encontrar um novo regime climático mundial, que impeça rupturas e vazios quando o Protocolo de Quioto terminar em 31 de Dezembro de 2012. Esse objectivo desdobra-se em muitos outros de natureza sectorial: metas e calendário de redução das emissões (mitigação); uso de mecanismos de mercado (o comércio de emissões, por exemplo); a transferência de tecnologia e de recursos financeiros para os países emergentes e menos desenvolvidos (para que as suas emissões aumentem menos do que o estimado); criação de estratégias sectoriais globais de redução das emissões (cimento, papel, siderurgia, etc); apoio à adaptação; estímulo ao combate à desflorestação, promovendo a gestão sustentável das florestas.
Olhando para o estado presente das negociações não me parece realista esperar que exista um pacote completo de soluções já em Copenhaga. A razão principal reside no facto de os EUA não terem ainda uma estratégia robusta e suportada em leis do Congresso, que lhes possa conferir credibilidade. O Presidente Obama trave hoje duas batalhas no Senado, uma pela lei da Saúde, e outra pela lei da Energia e do Clima. São duas batalhas que, de certo modo, se atropelam. Só por milagre, Obama chegaria a Copenhaga com uma visão clara para tudo o que está em causa. A boa vontade precisa de compromissos concretos, que ainda não existem.
Os EUA deixaram de liderar, há muito, a luta contra as alterações climáticas. Enquanto a Europa baixou as suas emissões, desde 1990, os EUA aumentaram as suas em cerca de 15% (2007). Contudo, sem o compromisso dos EUA não haverá acordo. A China olha para a UE com simpatia, mas só dará passos significativos se Washington estiver de alma e coração no novo regime. De Copenhaga devemos esperar passos significativos em todos os assuntos, menos nas metas de mitigação. É preferível esperar por 2010 para obter um bom acordo, com regras e objectivos claros, do que abraçar um acordo envenenado em Copenhaga. O relógio do perigo climático não pára, mas para merecer o futuro teremos de reinventar, em conjunto, a habitação humana da Terra. Ninguém deverá fazer a viagem à boleia do esforço alheio.

Viriato Soromenho-Marques
Professor da Universidade de Lisboa, coordenador científico do Programa Gulbenkian Ambiente, e membro do Grupo Consultivo do presidente da Comissão Europeia para a Energia e Alterações Climáticas


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