segunda-feira, dezembro 29, 2008

Visões do Socialismo: Tito

Jugoslávia. Antiga Jugoslávia.

No dia 10 de Novembro de 2008 morreu Nikola Kavaja. Os pais de Nikola foram enviados para um campo de concentração quando Hitler invadiu a Jugoslávia no ano de 1941. Ele depois mataria soldados nazis e ainda mais tarde tentaria matar por mais de uma vez o presidente Tito. Foi espião, matou e esteve preso nos EUA. Nos seus últimos anos parece que tinha na parede de casa as fotografias de Hitler e Estaline, o qual era admirador de ambos.

Abomino ditaduras, tenho asco a ditadores. Sou um democrata visceral. Mas quando vejo no absurdo quotidiano, quando vejo nos media o abuso do poder por parte do Estado e respectivas associações mafiosas que se escondem debaixo de nomes burocratas ou de empresas, sinto que a democracia está em falência total. Quando são decididas obras de vulto como o TGV e a saúde não é prioritária, pelo contrário, algo vai mal no reino de Portugal. Por isso, por vezes e não sem um calafrio na consciência encontro-me a pensar que não seria errado uma ditadura, um pulso forte para defender a democracia. Por isso, quando me foi apresentado o desafio de escrever sobre uma personalidade de esquerda escolhi, um “ditador”. Josip Broz Tito. O Titoismo.

Na minha infância e adolescência ouvia falar de Tito e da Jugoslávia não de uma forma tão pejorativa como dos restantes países comunistas de leste, e isso ficou retido, algures na memória. Depois, na idade adulta, ouvimos todos falar de novo, mas agora era a Guerra da Jugoslávia, a guerra dos nacionalismos virulentos e bárbaros, do regresso aos reinos feudais, da animalidade humana. De 1991 a 2001 a República Federal Socialista da Jugoslávia já não o era, era agora um retalhado território em plena Europa a trazer de novo memórias das duas Grandes Guerras. Fora lá que tinha sido acendido o rastilho da Primeira e da Segunda Grandes Guerras. A história ironicamente repetia-se. A História que foi sempre cruel com esta amálgama de territórios cobiçados que foram invadidos sucessivamente ao longo dos tempos.

No tempo da invasão das tropas de Hitler os voluntários jugoslavos com apenas uma pequena ajuda material dos aliados resistiram e expulsaram os nazis. Eram os Partizans, e Tito, nascido na Croácia em 1892, era um deles. Era um líder. Depois da guerra, com imensa gente morta (1.700.000) e uma população sobrevivente onde a maioria dos adultos eram analfabetos e da actividade agrária e onde o rendimento por habitante era baixíssimo, Tito e a Liga dos Comunistas da Jugoslávia conseguiram unir os vários povos (sérvios, croatas, eslovenos, etc) num só e num esforço titânico recuperar lentamente o país devastado. Mas o problema é que a Liga formulou um socialismo à sua maneira e não em conformidade com as directrizes de Moscovo, de Estaline.

Ocupo agora estas linhas para avisar que não sendo este um texto de análise política nem da autoria de um historiador e para ser lido num blog, deixo aqui apenas umas ideias por alto, esperando que os interessados no tema investiguem por si próprios. Mas aviso já da dificuldade de encontrar livros sobre o tema nas livrarias. Nem nos alfarrabistas. O porquê? Calculo que por o tema não ser do agrado do Partido Comunista Português.

Tal como Estaline que entrou em processo de ruptura e boicote aos socialistas jugoslavos expulsando-os do Cominform. Estes recusaram o modelo soviético de um comunismo estatal e burocrático, limitador das liberdades individuais e em 1947/48 cortaram de vez as relações. Mas nem os russos nem os ocidentais americanizados agradavam a estes socialistas, estes escolheram um modelo próprio, deveras experimental, arriscado. Utópico? Bem, a economia subiu, a industria floresceu, o povo que não o era alfabetizou-se, a desigualdade diminuiu, a burocracia e o controle do estado foram diminuindo também. De um primeiro socialismo administrativo evoluiu-se para um socialismo de autogestão. Modelo perfeito? Não existe. Existe é boa vontade. E por vontade de Estaline, Churchill e Roosevelt a Jugoslávia teria sido dividida entre eles no pós guerra. Afirmaram que aquelas terras eram “bagatelas” para eles. Os senhores do mundo, pois bem. Não contavam com um povo e um líder destemido e que recusaram o leste estalinista e o ocidente capitalista. Uma terceira via.

Mas e a prisão de Goli Otok, não existiu? Existiu, e a sua maioria de presos eram opositores a Tito, seguidores de Estaline, ou ao serviço dos interesses ocidentais. Eu avisei que nem tudo era perfeito. Avisei? Tito viajava muito, era recebido por chefes de estado do ocidente, era um dos líderes dos Países Não-Alinhados (com o Bloco Soviético) e a paranóia com atentados era de certa forma justificada. Só Nikola Kavaja por quatro vezes tentou matar Tito, e falhou todas. Tito morreu de complicações de saúde em 1980 na cidade eslovena de Ljubljana e mais tarde com a queda do muro e consequente crise económica e o ressurgir dos nacionalismos nas diferentes repúblicas a Jugoslávia também morreu. Ficou uma história e um ideal na sua grande parte bonito. Alguém se atreve a repetir?


Leonel de Jesus


Leonel de Jesus, é poeta e jornalista, tendo escrito em conjunto com o editor deste blog o Manifesto: Dez boas razões para ser da Juventus e de Esquerda. Pode ser lido aqui em português ou aqui em italiano.


Sem comentários: