domingo, novembro 09, 2025

Propaganda para totós

Não é preciso ser utilizador regular ou esporádico do serviço de transporte de passageiros da Ribatejana e da Rodoviária do Tejo para ter conhecimento das condições deploráveis que estas empresas, ambas pertencentes ao grupo Barraqueiro, disponibilizam há muitos anos aos seus clientes. Atrasos sistemáticos, supressão de carreiras sem qualquer aviso prévio, horários desajustados às necessidades das populações, isolamento de muitas localidades durante os fins-de-semana, autocarros desconfortáveis e obsoletos, susceptíveis a todo o tipo de avarias e problemas mecânicos, são reclamações justas e recorrentes que já praticamente todos ouvimos ou lemos, sem esquecer os baixos salários, a precariedade laboral e a perseguição sindical que aplicam aos seus trabalhadores.

A “degradação progressiva” da oferta assegurada pelas citadas operadoras privadas, às quais se juntou o fracasso do concurso público internacional lançado em 2020, que não teve propostas válidas, por falta de interesse do “mercado” em operar redes de baixa rentabilidade, tornou claro que a solução para a Lezíria do Tejo teria de passar por um modelo de serviço público directo, em que fosse garantida qualidade, sustentabilidade e eficiência financeira.

O modelo prevê a criação de uma empresa intermunicipal, integralmente detida por capitais públicos, com participação da CIMLT e dos onze municípios que a compõem e que aprovaram por unanimidade a sua constituição. Tem sido um processo complexo, moroso e burocrático, que envolve pareceres técnicos, decisões municipais e validações legais externas. A aquisição do Terminal Rodoviário de Santarém para funcionamento como sede e logística, a renovação da frota com base em critérios tangíveis de eficiência ambiental e energética, coesão territorial, planeamento e ajuste da oferta de transportes às necessidades reais das populações – definindo horários e rotas, reforçando as ligações para as freguesias periféricas e rurais – são alguns dos pontos principais deste processo.


Entretanto, durante a semana que agora findou, tivemos conhecimento de (mais) uma extraordinária peça de propaganda publicada pelo jornal regional de "proximidade", à qual chamaram entrevista, a um funcionário do indivíduo que comprou a TAP com dinheiro da própria TAP. Nela podem ler-se uma quantidade absurda de falácias e inverdades, considerações hilariantes e insultos gratuitos. Como se tudo isto já não fosse suficientemente mau, o jornalista que (não) assina a peça - qual moço de recados anónimo - remata com uma extensa lista de sugestões dirigida aos novos membros integrantes da CIMLT, na qual condensa toda a ideologia neoliberal de concessões e privatizações dos serviços públicos, com o bafiento argumentário de sempre. Em nenhum ponto se pode ler qualquer preocupação com as populações, horários, rotas, ambiente ou coesão territorial. No fundo, o que interessa é, apenas e somente, garantir o negócio e o lucro de quem paga por “entrevistas”.

Como não estamos a dormir e já andamos nisto há uns anos, recordamos que, no passado dia 13 de Março de 2024, em sessão extraordinária da Assembleia Municipal de Salvaterra de Magos, todas as forças políticas nela representadas – PS, BE, Ch, PCP, PSD e CDS – aprovaram por unanimidade a criação da empresa intermunicipal de transportes. Também nos lembramos bem do que foi dito e repetido durante a última campanha eleitoral autárquica sobre as questões dos transportes e da mobilidade. Todos muito preocupados com os passageiros, “coitadinhos”, sem condições dignas há décadas, em autocarros onde chove lá dentro, sem ar condicionado, que se atrasam repetidamente ou que não aparecem, que têm avarias sistemáticas, que não têm carreiras aos fins-de-semana e por aí fora. Posto isto, vamos ficar bastante atentos aos desenvolvimentos deste processo, à eventual reviravolta no mesmo, e, em particular, a quem foi entregue poder de decisão sem ter qualquer conhecimento na matéria.