sexta-feira, novembro 23, 2007

Ser de esquerda, por Mário Soares...

Li há tempos na Visão uma das crónicas que Mário Soares escreve regularmente para a revista e gostei bastante. Tinha como título Ser de esquerda, na Europa e transcrevo a seguir a parte mais significativa:
"Ser de Esquerda hoje, a meu ver, para um europeu, não é só ter um passado coerente, antifascista, anticolonialista, a favor dos Direitos Humanos e da igualdade entre homens e mulheres; é ser a favor de uma democracia económica e social (e não de uma 'democracia liberal'); é lutar contra as desigualdades sociais; ser a favor de uma Europa Política e Social, capaz de ser solidária com todas as outras Regiões do Mundo onde se sofre; e a favor das grandes causas da defesa do Ambiente, dos Direitos Humanos e da igualdade de todos os seres humanos, independentemente do sexo, opção sexual, raça, religião ou condição social; é ser pelo primado da política sobre a economia, da ética, contra a mistura explosiva do negocismo e da política; é ser tolerante e aceitar o outro, como diferente de nós, partidário do multiculturalismo e da laicidade, ou seja, a favor da separação do Estado e das Igrejas; a favor de um sistema capaz de corrigir as desigualdades, de um Estado de Direito, interveniente, mormente no campo da saúde, da justiça, do ensino, do conhecimento e do aproveitamento dos melhores."

Para alguém que se considera profundamente de Esquerda como eu me considero, não de centro-esquerda nem de extrema esquerda, ao ler esta crónica assino sem reservas por baixo, sim senhor muito bem dr. Soares! Mas, recordo-me do seu passado sombrio como primeiro-ministro em que governou com coligações feitas com partidos de direita (CDS e PSD), sempre teve o PCP e Álvaro Cunhal como os seus grandes inimigos e pergunto-me porque é que Soares nunca formou um governo maioritário de Esquerda e sempre se aliou à Direita? Onde andou este Mário Soares que só agora com mais de 80 anos se assume efectivamente como de Esquerda? A vassalagem que enquanto PM e PR sempre prestou às sucessivas administrações norte-americanas republicanas cimentadas com a amizade que mantinha com o ex director da CIA, Carlucci. Porque é que só com a invasão do Iraque decidida por Bush, Soares ousou criticar os EUA, e em especial a direita conservadora que os republicanos sempre protagonizaram? Porque será que em 1986, depois de ter saído pela porta pequena do cargo de PM e destruído a amizade que mantinha há muitos anos com Salgado Zenha, que era para ser o candidato oficial do PS, passou por cima disso e impôs o seu estatuto de secretário-geral do PS para ser o candidato oficial do partido? Salgado Zenha foi depois apoiado pelo PRD e PCP, conseguindo 21% dos votos e quase passando à 2ª volta, Soares teve 25%. Freitas do Amaral teve 46% e era apoiado por uma fracção da direita reaccionária que queria ajustar contas com o 25 de Abril. Temendo uma vitória dessa direita, Álvaro Cunhal convoca um congresso extraordinário do PCP em que é decidido apoiar na 2ª volta Mário Soares, ficando célebre a frase de Cunhal em que apelava aos votos de todos os militantes e simpatizantes comunistas mas, que na altura de votar tapassem com a mão a cara de Soares no boletim de voto e colocassem a cruz ao lado... Mário Soares foi eleito na 2ª volta com 51% dos votos graças aos votos dos comunistas, até hoje nunca agradeceu a Álvaro Cunhal nem ao PCP e aos seus eleitores essa vitória, porquê dr.Soares? Felizmente que eu na altura ainda não tinha idade para votar senão também me teria custado imenso ter que votar em Soares... Tal como com Salgado Zenha, Soares veio a passar por cima de nova amizade, desta vez com Manuel Alegre que se perfilava como o candidato ideal do PS e da esquerda em geral para tentar derrotar Cavaco nas presidenciais do ano passado. Porquê dr. Soares? Manuel Alegre candidatou-se como independente e apenas por 6 décimas não passou à 2ª volta. Muito provavelmente se Soares não tem avançado, Alegre seria apoiado por toda a esquerda e poderíamos ter derrotado Cavaco...


Depois destas ilações e questões que muito provavelmente nunca terei resposta olho para os partidos socialistas e trabalhistas por essa Europa fora, quando na Oposição apregoam-se efectivamente de Esquerda, chegados ao poder, convertem-se imediatamente ao neo liberalismo e a políticas tipicamente de direita, basta olhar para Sócrates ou para Blair e a sua vassalagem a Bush. Olho depois para os partidos comunistas ocidentais, em tempos não muito longínquos com grande influência na sociedade desses países nomeadamente em Itália e França onde integraram governos e mesmo em Espanha. Hoje têm apenas votações residuais, converteram-se à social democracia e tendem a extinguir-se, apenas em Portugal o PC parece manter a sua força nomeadamente em termos autárquicos e sindicais e mesmo em termos eleitorais a tendência com Jerónimo de Sousa é de atingir os dois dígitos brevemente nas votações. Voltando a Soares e para terminar o post, acho que toda a esquerda portuguesa nomeadamente os que se afirmam socialistas deviam ler esta crónica do seu líder histórico e reflectir sobre a (má) política que têm feito em 2 anos de governo. Quanto a Mário Soares veremos se a sua tardia afirmação e convicção em ser de esquerda tem alguns efeitos práticos e quem sabe um dia assuma porque realizou tantos actos nada condizentes com um político que se afirma de esquerda, alguns deles retratados por mim neste mesmo post...

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