terça-feira, outubro 06, 2009

Voz Amália de Nós


Se me perguntassem há 5 ou 6 anos atrás se gostava de ouvir Fado eu diria que não. Tinha a ideia algo errada que o Fado representava o legado do antigo regime fascista, um Portugal retrógrado, atrasado e tristonho, conformado com o seu lúgubre destino.

Felizmente por essa altura comecei a escutar com atenção uma nova geração de fadistas - Mariza, Camané, Ana Moura, Mafalda Arnauth, Katia Guerreiro,... - que vieram revolucionar por completo a face do Fado, tornando-o num som moderno e contemporâneo, sem esquecer as suas raízes. Também por isso fui descobrindo aos poucos o fascínio do antigo Fado, em especial por intermédio de Carlos do Carmo e de Amália Rodrigues.

Amália, dona e senhora de uma voz única e incomparável, sublime e melancólica, símbolo máximo do Fado, unanimemente aclamada como a voz de Portugal e uma das mais notáveis cantoras mundiais do século XX.

Idolatrada em Portugal, não tardou a galgar fronteiras, vendo o seu talento ser amplamente reconhecido em lugares tão díspares como o Rio de Janeiro, Roma, Nova Iorque, Moscovo, Tóquio, México, Londres, Madrid ou Paris (onde actuou várias vezes no mítico Olympia).
Deu um novo impulso ao Fado ao cantar poemas de autores portugueses consagrados, depois de musicados, como David Mourão Ferreira, Pedro Homem de Mello, Ary dos Santos, Manuel Alegre e Alexandre O'Neill.

Foi, juntamente com Eusébio, a embaixadora de Portugal além-fronteiras, numa altura em que o regime ditatorial passava por enorme descrédito e isolamento internacionais devido à infame guerra promovida nas colónias africanas. Por esse motivo foi injustamente conotada com o Estado Novo, que propagava a cultura dos três F's (Fado, Fátima e Futebol). Quem fez tal insinuação decerto que se esquece do Fado Peniche, proibido pela censura por ser um hino aos presos políticos encerrados no Forte dessa cidade ou do Povo que lavas no rio, uma comovente homenagem ao povo português, mergulhado na mais profunda pobreza e miséria. Recentemente soube-se também que Amália ajudara financeiramente o Partido Comunista Português, quando este era clandestino e lutava contra o fascismo.

Passam hoje exactamente dez anos após a morte de Amália, o dia em que Portugal se une para chorar a sua alma, a sua voz que era só dela e, no entanto, de todos nós.



Barco Negro é muito provavelmente a minha música favorita de Amália. Poema de David Mourão Ferreira sobre a mulher dum pescador que morreu no mar. Todas as noites ela desce à praia e fala-lhe como se ele estivesse vivo, fala-lhe coisas de amor.
Em 1955, o filme francês Os Amantes do Tejo é filmado em Lisboa, surgindo Amália a interpretar este fado de forma esplendorosa.

4 comentários:

Anónimo disse...

Oi João!

Engraçado, hoje estava na livraria que frequento e vi um cd da Amália Rodrigues. Na hora me lembrei de já ter ouvido o nome e me lembrei que foi aqui no seu blog. Chega ao Brasil um CD em que ela gravou canções de Vinícius de Moraes, grande compositor da Bossa Nova. O cd foi gravado em 68 na casa da própria Amália. Puxa, fiquei feliz ao ler seu post e constatar que se trata da homenageada. Vou tentar escutar outros trabalhos dela e esse em particular.

Bjs

Ps. Finalmente comprei Sidartha!! Precinho camarada, como dizemos aqui.

João Caniço disse...

Cyntia, não referi no post, mas para além do Fado que deu notoriedade mundial a Amália, ela também cantou canções contemporâneas em francês, espanhol, inglês, italiano e brasileiro. Eu gosto muito de 'Bossa Nova'. Por acaso sabia que ela tinha cantado Vinicius de Moraes, mas nunca ouvi esse trabalho. Espero que gostes e se puderes ouve também alguns de Fado. Não sei se aprecias Fado ou conheces sequer o género musical, mas aconselho vivamente. Se começares por Amália então tens todas as hipóteses de apreciar consideravelmente!
Que bom! 'Sidartha' é um excelente livro, um dos melhores que já li! Vais gostar, com toda a certeza!
Bom fim de semana, beijos

Anónimo disse...

Bem, nunca ouvi o fado, mas tenho uma amiga professora que é filha de portugueses e a filha, que é muito minha amiga também já me chamou diversas vezes para essas festividades da colônia portuguesa na Casa de Portugal. Prometi a ela que neste ano iria lá para conhecer. Depois te conto.

Bjs e ótimo fim de semana também

João Caniço disse...

Tenho quase a certeza que vais gostar! O Fado tradicional é bastante sentido e melancólico, quando bem conjugado entre a guitarra e a voz é fantástico, pleno de sentimento.
Também existe o fado-canção que é mais alegre e espontâneo.
Fico à espera então dessa experiência. ;)
Bom domingo, beijos