Não, não foi um qualquer D. Sebastião montado num cavalo branco a romper o nevoeiro matinal que libertou os portugueses das mordaças da ditadura fascista. Foram sim, valentes capitães que, numa madrugada primaveril de 1974, se lançaram à aventura, apoiados na sua coragem e bravura, para colocar ponto final num regime que, durante longos e terríveis 48 anos promoveu a opressão, a miséria, a ignorância, a injustiça e a guerra ao povo português.
O Estado Novo – autoritário, nacionalista, conservador, corporativista e de inspiração fascista - há muito obsoleto, caiu de podre, não esboçando grande resistência aos avanços da Liberdade e da ânsia pelo fim imediato de uma guerra colonial demente e sem sentido que ceifou milhares de vidas inocentes, espalhando o caos e a destruição nas colónias.
Os presos políticos foram libertados, a censura foi extinta, a liberdade de expressão garantida e a polícia política desmantelada tal como todos os baluartes do Estado Novo. Subsequentemente foi concedida a independência às colónias africanas e alcançaram-se grandes conquistas sociais: fixação do salário mínimo, atribuição do subsídio de férias (13º mês) e subsídio de Natal. Nacionalizaram-se os principais meios de produção privados e fomentou-se a Reforma Agrária no Alentejo, num claro objectivo de rumo ao Socialismo, devidamente legitimado pela futura Constituição de 1976.
No entanto, quase cinco décadas de fascismo deixaram remanescentes, em especial no Norte do país, conservador e de forte inspiração católica, conotado como reaccionário relativamente ao Sul revolucionário. O confronto parecia iminente e a guerra civil esteve por um fio no quente mês de Novembro de 1975, surgindo então uma terceira via, a que se pode considerar como vencedora, o Grupo dos Nove, moderado comparativamente às posições extremadas e defensor dum projecto socialista alternativo baseado numa democracia política, pluralista, nas liberdades, direitos e garantias fundamentais.
Por mais incrível que hoje possa parecer, o PS e até o próprio PSD afirmavam-se defensores das doutrinas socialistas, redigindo e aprovando, em conjunto com o PCP, a Constituição da III República Portuguesa, onde ficaram devidamente consagrados o forte papel do Estado na Economia do país, o direito universal e gratuito à Saúde e Educação, o pluralismo partidário, a liberdade religiosa e a laicidade do Estado, o poder autárquico, a descentralização das competências do Estado, entre outras medidas de forte carácter progressista.
No papel, a Constituição Portuguesa é das mais avançadas a nível mundial e tem tudo para promover a prosperidade, a equidade de oportunidades e a justiça social aos seus cidadãos. Ao fim e a cabo foram estas as grandes esperanças depositadas na Revolução dos Cravos.
Passados 36 anos, concluo que o grande problema recai sobre nós, portugueses em geral, que temos elegido ininterruptamente governantes com o estranho poder de desvirtuarem e aniquilarem (quase) todas as expectativas e conquistas de Abril.
Prometeram-nos mundos e fundos com a entrada na União Europeia e na plena economia de mercado. Durante anos e anos jorraram milhões vindos de Bruxelas, muitos deles desperdiçados em quilómetros infinitos e inúteis de auto-estradas. Outros tantos foram esbanjados em supostos subsídios para a Agricultura, sendo antes aplicados em vivendas, jeep’s e piscinas... Investimento na Saúde e na Educação – pilares nucleares da sociedade de todo e qualquer país – pouco ou nada foi feito, para não falar em Ciência ou Cultura. Afinal, a velha máxima “quanto mais inculto é um povo, mais facilmente é enganado” continua a ser inteiramente válida.
Ambições pessoais desmedidas da elite do país, pântanos, fugas para Bruxelas, privatizações sem nexo, corrupção e promiscuidade a rodos entre a classe governativa e empresarial, tachos para os boys, crescente desigualdade social, desemprego galopante, pobreza, perda de direitos laborais, endividamento crítico da classe média, défice excessivo do país, prisão efectiva para quem rouba uma carteira no metro e impunidade para com o crime milionário de colarinho branco, lucros e prémios obscenos para algumas empresas e gestores (em particular no sector da Banca, das Energias e dos monopólios), espectro da bancarrota a pairar num horizonte não muito longínquo. Num traço muito geral e bastante sintetizado é este o retrato de Portugal desde 1976 até hoje.
Conclui-se assim que as esperanças depositadas pelo povo português no 25 de Abril estão muito longe de estar alcançadas! As ambições e expectativas consagradas na Constituição foram sendo desvirtuadas e adulteradas de forma contínua pelos sucessivos governos da República. Batemos no fundo, está visto e revisto que o neo-liberalismo e o capitalismo selvagem não são solução. A construção da sociedade socialista em Portugal falhou rotundamente e não foi por culpa do Socialismo.