sábado, novembro 13, 2010

Lateral esquerdo


Desde que comecei a assistir e a acompanhar com olhos de ver o fenómeno de massas que dá pelo nome de Futebol, por volta de 1993-1994, que me lembro que a posição de lateral esquerdo é a mais deficitária, com menor qualidade entre os seus protagonistas. Na altura havia um único lateral canhoto de nível mundial, Paolo Maldini, jogador completíssimo e elemento fulcral no Milan e na nazionale, que se manteria no topo durante muitos e bons anos. Na Juventus, evoluía um jovem com enorme potencial, Andrea Fortunato, que ambicionava lutar pela camisola 3 azzurra. Infelizmente, a sua carreira teve um final precoce e trágico devido a uma leucemia, falecendo em Abril de 1995 com apenas 23 anos de idade.

No Brasil campeão do mundo'94 rivalizavam pela posição o veterano Branco, dono de pontapé canhão e o talentoso Leonardo, que não tardaria a avançar no terreno, para posições mais consentâneas com o requinte do seu pé canhoto.

O basco Lizarazu marcou uma época na lateral esquerda francesa. Baixinho, mas bastante aguerrido e acutilante, extremamente útil nos processos ofensivos. Pearce, Ziege e Sergi foram dignos representantes da escola britânica, germânica e espanhola. O inglês, fiel à velha máxima antes quebrar que torcer, foi durante anos a fio figura de proa do Nottingham Forest e da selecção da rosa, ficando marcado pelo penalty desperdiçado na meia-final do Itália’90. Já o alemão, campeão europeu em 96, era o protótipo do típico jogador germânico, ultra-competitivo e possuidor de forte e colocado pontapé. Quanto ao catalão, campeão olímpico em 1992, e, apesar de possuir bons atributos técnicos, enquadrava na perfeição na essência e no espírito da fúria roja.

Nos Jogos Olímpicos de 1996 em Atlanta acompanhei com interesse as exibições portentosas de um meia-leca entroncado e supersónico lateral brasileiro, Roberto Carlos, que tinha desiludido na temporada de estreia no futebol europeu ao serviço do Inter. Na época seguinte, foi contratado pelo Real Madrid, onde actuou durante 11 anos consecutivos, grande parte dos quais a nível altíssimo. Fortíssimo física e tecnicamente, extremamente veloz, destacava-se na potência que imprimia aos seus remates, qualidade que lhe valeu o incrível número de 69 golos em 527 jogos pelos merengues.

O Mundial de 2006 marca o princípio do declínio daquele que foi considerado durante anos a fio como o melhor lateral esquerdo mundial. Ashley Cole e Patrice Evra perfilavam-se como naturais sucessores, mas a verdade é que nunca conseguiram atingir um nível extraordinário. Ambos perto dos 30 anos, mantém-se como opções efectivas nos respectivos clubes e selecções, mas vêm-se relegados para segundo plano devido ao mediatismo dos emergentes Gareth Bale, Fábio Coentrão e Marcelo, a nova geração de laterais esquerdos.

Antes de completar 17 anos e já o galês se estreava pelo Southampton. Dois anos depois transferia-se para o Tottenham pela módica quantia de 10 milhões de libras. Depois de duas temporadas de aprendizagem, onde muitas das vezes foi preterido pelo camaronês Assou-Ekotto, afirmou-se de vez na primeira equipa dos spurs em 2009/10. Forte fisicamente, evoluído técnica e tacticamente, hábil no cruzamento e no passe, ou seja, estamos perante um jogador completo, não estranhando que passasse a alinhar em muitas das ocasiões como médio-ala esquerdo. Os recentes jogos contra o Inter para a Champions consagraram-no como um dos mais apetecíveis alvos dos principais clubes europeus, embora o clube londrino não pareça nada inclinado em desfazer-se da sua pérola.

Natural das Caxinas, lugar piscatório de Vila do Conde, fintou um provável futuro no mar graças ao talento do seu pé canhoto, levando o Benfica a pagar 1 milhão de euros pelo extremo ao Rio Ave em 2007. Cabeça no ar, passava mais tempo a atirar-se para o relvado do que a tentar jogar futebol. Depois de vários empréstimos, regressou à Luz no Verão de 2009. Poucos apostariam que Jesus o mantivesse no plantel principal, mas a verdade é que não só o fez, como viu neles qualidades para actuar como lateral esquerdo. A aposta revelar-se-ia um êxito, formando uma ala esquerda demolidora com Di Maria e efectuando um Mundial’2010 de elevada qualidade. A cotação tem subido continuamente em flecha e não surpreenderá nada se muito em breve algum tubarão pagar os 30 M € da clausula de rescisão.

Quanto ao carioca, bastou apenas uma temporada ao serviço do Fluminense para ser considerado o melhor lateral esquerdo a actuar no futebol brasileiro, sendo contratado em Janeiro de 2007 pelo Real Madrid, que pagou 6 milhões de euros pelo passe do jovem de 18 anos. Depois de um natural período de adaptação e de ter posteriormente oscilado entre as posições de lateral e médio-ala, parece firmar-se como o defesa esquerdo pretendido por Mourinho, que já reconheceu publicamente que as dúvidas sobre o potencial do brasileiro como lateral estavam completamente dissipadas. Defendendo cada vez melhor e atacando como poucos, parece estar encontrado o sucessor de Roberto Carlos na canhota merengue e na canarinha.

Para terminar impõe-se a pergunta: qual dos três atingirá nível mais elevado?

4 comentários:

Michel Costa disse...

Olá JP!

Em primeiro lugar, parabéns pelo texto e pela iniciativa de abordar esse assunto.
Concordo que a lateral esquerda é a mais carente do futebol mundial. Tanto é que Inter, Milan e Juve penam pra encontrar bons valores para atuar por ali.
Sobre os três atletas em questão, acredito que Bale deve mesmo se firmar como winger, posição em que é realmente diferenciado. Na lateral esquerda, aposto minhas fichas em Marcelo, embora, neste momento, ele esteja afastado dos planos de Mano Menezes.

Abraços.

João Caniço disse...

Muito obrigado, Michel.
É verdade. Os 3 gigantes do 'Calcio' bem tentam encontrar alguém com qualidade inequívoca para o lugar.
O Bale tem evoluído muito como extremo e não é por acaso que já o comparam ao seu compatriota Giggs. Também acredito que ele continue a actuar com sucesso nessa posição ao contrário de Marcelo e Coentrão que se firmam cada vez mais como laterais. Que se passa para o 'carioca' estar fora dos planos de Mano Menezes?
Abraços

Michel Costa disse...

A ausência de Marcelo parece ser uma questão de comprometimento, JP. Inclusive, também seria essa a razão para o lateral do Madrid ter sido deixado de lado por Dunga.
Uma pena, já que, para mim, Marcelo é o melhor lateral esquerdo brasileiro em atividade.

Abraços.

João Caniço disse...

Concordo em absoluto, Michel. É mesmo uma pena que um dos melhores laterais esquerdos do mundo não actue pela sua selecção.
Abraços