terça-feira, março 24, 2009

Coincidência ou talvez não?


A década de 30 ficou marcada pela afirmação do Futebol a nível planetário com a realização do primeiro Campeonato do Mundo em 1930 no Uruguai, que se viria a revelar um enorme sucesso.
Impulsionado por este evento e também com a crescente afirmação dos vários campeonatos nacionais, começaram a ser reconhecidos a nível internacional os primeiros grandes nomes da modalidade, entre os quais três guarda-redes, que se tornariam autênticas lendas no futebol dos seus países. Eram eles o italiano Giampiero Combi, o espanhol Ricardo Zamora e o checo Frantisek Plánicka, três dos melhores guardiões de todos os tempos!

O segundo Campeonato do Mundo de Futebol disputou-se em 1934 na Itália e ficou conhecido como o Mundial da propaganda fascista de Mussolini. Entre os 16 países finalistas encontravam-se as selecções dos referidos guardiões, todas elas com legítimas aspirações de chegar ao triunfo final na competição.

Quis o destino que Itália e Espanha se enfrentassem nos 1/4 de final em Florença numa tarde de calor tórrido, capitaneadas por Combi e Zamora como reporta a foto de cima. O encontro foi épico, uma autêntica batalha que terminaria empatada a uma bola no final do tempo regulamentar obrigando à disputa de um prolongamento de meia hora. No final dos 120 minutos manteve-se a igualdade, apesar do avassalador domínio azzurro não materializado em golos devido a várias defesas miraculosas de Zamora, o herói do jogo.
No final da partida os jogadores de ambas as equipas encontravam-se extenuados (na altura não eram permitidas substituições), o desafio foi demasiado intenso chegando mesmo a roçar a violência como rezam algumas crónicas da época. Como também ainda não existia o desempate através de grandes penalidades, Itália e Espanha tiveram que jogar no dia seguinte a partida de desempate sem 12 jogadores que não recuperaram do esforço da véspera, 5 italianos e 7 espanhóis entre os quais Zamora, a contas com fortes e dolorosas mazelas.
O encontro foi novamente bastante durinho, mas desta vez um golo madrugador de Meazza daria o triunfo aos azzurri, apesar de os espanhóis se queixarem de dois golos limpos anulados, suspeitava-se da influência do Duce, afinal a Itália tinha que vencer a qualquer preço!

Na partida da meia final os azzurri levaram de vencida a wunderteam austríaca, também por 1-0, com Combi a ser o herói ao efectuar duas defesas fantásticas perto do fim!

Na final, a Itália teria que derrotar a forte selecção da Checoslováquia, capitaneada por Plánicka.
Rezam as crónicas da altura que minutos antes de italianos e checos entrarem em campo para disputar a partida foi entregue no balneário italiano um bilhete assinado por Mussolini onde se podia ler: "Vitória ou Morte"! Não se sabe porém se, a ser verdade esta história, a intimidação funcionou como um impulso para a squadra azzurra, o certo é que entraram a todo o gás no encontro tentando chegar o quanto antes ao golo, deparando-se contudo com um autêntico muro de betão chamado Plánicka, que esteve simplesmente soberbo nessa tarde em Roma.
Aos 70 minutos o estádio ficou em completo e gélido silêncio com o golo do checo Puc, um extraordinário remate à meia volta sem hipóteses para Combi. O temor da derrota tomou conta dos italianos que desesperavam com o avançar do relógio e a desvantagem no marcador. Quando já poucos acreditavam, a 5 minutos do final, Orsi restabeleceu a igualdade levando a final para tempo extra. Aí, os italianos apresentaram-se melhor fisicamente acabando Schiavio por apontar o golo que daria o primeiro título mundial a Itália. Coube a Combi receber o troféu Jules Rimet das mãos de Mussolini, encerrando assim uma brilhante carreira aos 32 anos de idade.

Quatro anos depois, em França, apenas Plánicka dos três lendários guardiões se mantinha no activo, representando novamente a Checoslováquia na maior competição mundial de selecções.
Na partida dos 1/4 de final os checos defrontaram o Brasil num encontro violentíssimo, onde foram expulsos 1 checo e 2 brasileiros, para além da perna partida de Nejedly, autor do golo checo.
No decorrer do segundo tempo e com o resultado empatado, 1-1, Plánicka ao efectuar uma defesa chocou com o poste fracturando um braço e deslocando a clavícula! Mesmo limitado pela grave lesão, Plánicka continuou em campo no resto do tempo regulamentar mais os trinta minutos de prolongamento, onde a partida terminou empatada. Relatos da época dão conta que o guarda-redes checo susteve vários remates apenas com uma mão, tornando-se o herói daquela partida que ficaria conhecida na história como a Batalha de Bordéus!
Na partida de desempate, o capitão checo teve que torcer por fora, sendo os seus companheiros derrotados 2-1 pelo Brasil, terminando assim de forma abrupta a carreira internacional de Plánicka.

"Dispo-me com lentidão, entre o clamor triunfal. O cordão das botas (apertado de mais) faz um nó e resiste a desprender-se. Sinto no rosto o roçar da camisola como uma carícia de despedida. Encontram-se ali, no banco e no chão, as peças de vestuário que mais vezes e melhor usei. Com elas recortou-se a minha silhueta em todas as balizas e todas as latitudes. Deram-me personalidade, fizeram-me no que sou. A seguir, viria uma noite de insónia. Que fazer? Abandonar o futebol, agora? Endoideceste! Mais um ano, só mais um ano. Se fui capaz de fazer isto agora, porque não o farei dentro de um ano?"
Estas são palavras de Ricardo Zamora, escritas nas suas memórias futebolísticas. Foram emoções sentidas em 1936, no balneário do Mestalla, em Valência, depois de disputar e vencer, pelo Real Madrid, a final da Taça de Espanha, frente ao Barcelona. Foi um jogo memorável, eternizado por uma monumental defesa sua, no último minuto, quando desviou, em voo, um remate de Escolá, garantindo o triunfo por 2-1. Vinte anos de futebol concentraram-se aí, nesse momento!

O Homem de Borracha
Giampiero Combi representou a Juventus durante 13 épocas, alinhando em 367 partidas, tendo vencido 5 scudetti. Pela selecção italiana disputou 47 encontros sagrando-se campeão do mundo em 1934. Ficou conhecido como l'Uomo di Gomma (o Homem de Borracha) devido à sua extrema agilidade.

O Divino
Ricardo Zamora alinhou no Espanhol, Barcelona, Real Madrid e Nice. Venceu duas Ligas espanholas ao serviço do Real Madrid e 5 Taças de Espanha (duas pelos merengues, duas pelo Barça e uma pelo Espanhol). Representou a Espanha em 46 ocasiões sagrando-se vice-campeão olímpico em Antuérpia (1920). Foi baptizado como El Divino (o Divino) pelos adeptos blaugrana. Desde 1959 que o jornal a Marca entrega um prémio, denominado de Troféu Zamora, ao guarda-redes menos batido do campeonato espanhol.

O Gato de Praga
Frantisek Pnánicka representou o Slavia Praga durante 16 temporadas, onde alinhou em 969 partidas, vencendo 8 campeonatos checoslovacos e uma Taça Mitropa (uma das competições percursoras da Taça dos Campeões Europeus). Alinhou em 73 ocasiões pela selecção checa tendo sido vice-campeão mundial em 1934. Ficou conhecido como Kocka z Praha (o Gato de Praga) devido às suas extraordinárias acrobacias.

Passados mais de 70 anos e várias gerações de excelentes guarda-redes, voltam a ser três guardiões das mesmas nacionalidades os melhores do momento e dos últimos anos! São eles o italiano Gianluigi Buffon, o espanhol Iker Casillas e o checo Petr Cech! Será mera coincidência e/ou a escola de guarda-redes destes países é realmente propensa a fabricar alguns dos ícones das balizas?

6 comentários:

Michel Costa disse...

Grande texto, JP.
E a comparação com os três goleiros atuais foi uma tacada de mestre!
Me lembro de ter lido uma história de Zamora, onde, conta-se, que ele visitava, incógnito, os treinamentos dos adversários para saber como os atacantes rivais finalizavam e cobravam pk's.
Na hora do jogo, ele estava pronto para eventuais arremates.
Hoje em dia, se usa Ipod... :P

Abraços.

João Caniço disse...

Obrigado, Michel. Esqueci-me de referir que Combi, Zamora e Plánicka foram os melhores guardiões antes da Segunda Grande Guerra, embora fosse algo que estava implícito no texto.
A comparação com os três guarda-redes actuais pareceu-me um bom final de texto, que depois optei por colocar também no título do post.
Excelente essa história sobre o Zamora! :p
Confesso que não a conhecia! Realmente, hoje em dia a tecnologia faz autênticos milagres quando em comparação com essa época.
Abraços

Anónimo disse...

Volto aqui para ler esse post com mais calma. Parece ótimo, mas estou já meio sonolenta... zzz

Boa noite/Bom dia :-)

João Caniço disse...

eh eh eh com certeza, Cyntia, volta quando quiseres! Penso que vais achar interessante... ;)
Bom dia de 5ª feira =)

Anónimo disse...

Agora com mais calma lendo seu post, entendi perfeitamente o que quisestes dizer com ele. Curioso mesmo ver que mais uma vez 3 dos mais conhecidos e competentes goleiros do mundo representam antigas e tradicionais escolas do futebol: Buffon, Cech e Casillas. Alías, meu pai é um grandíssimo admirador do espanhol e em nossas conversas costuma narrar com um largo sorriso o dia em que viu Iker tomar conta do gol do Real, substituindo o lesionado Bodo Ilgner.
Gostei muito de seu texto. Parabéns!
ótima semana para vc
bj

João Caniço disse...

Obrigado, Cyntia. Fico muito contente que tenhas gostado do texto.
É verdade, a escola italiana, espanhola e checa de guarda-redes já vem bem de trás. Achei boa ideia partilhar isto com os leitores aqui do blog.
Sim, o Casillas é um óptimo guardião. Também tenho ideia de ele se estrear pelo Real Madrid, muito jovem, com 17 ou 18 anos. Pelo contrário, não gostava lá muito do Illgner... ;)
Beijos