terça-feira, março 03, 2009

Riade, 20 anos depois


3 de Março de 1989, Riade (Arábia Saudita), data e local marcantes na história do futebol português com a conquista do primeiro título mundial de júniores!
O feito teve tanto de inesperado como de positivo já que serviu como base de apoio para o crescimento efectivo e sustentado das selecções nacionais, desde os escalões de base até à equipa principal.
Nessa altura, a selecção nacional era encarada com sobranceria e desconforto por parte da maioria da crítica e dos adeptos em geral após a desastrosa participação no Mundial do México'86, onde os jogadores se preocuparam mais com os prémios de jogo do que em jogar futebol e os dirigentes fizeram tudo menos dirigir, acabando todos estes factores por originarem o tristemente célebre caso Saltillo.
A surpreendente conquista do primeiro título mundial do futebol português serviu como uma verdadeira lufada de ar fresco nas mentalidades conservadoras que dirigiam o futebol assistindo-se a partir daí a uma efectiva e sustentada aposta na formação do jovem jogador nacional, algo que até essa data era visto como mais uma despesa no orçamento da selecção ou do clube...

Carlos Queiroz foi o treinador obreiro desta conquista, tendo assumido o cargo de seleccionador nacional júnior no Verão de 87, altura em que começou a preparar com afinco a trajectória até Riade. No primeiro treino as suas palavras para os jogadores foram: "Quero que saibam que o motivo porque estão aqui é só um: queremos ser campeões do Mundo em Riade!"
Os jovens jogadores, alguns com 16 e 17 anos, tiveram reacções diversas, uns riram-se, outros olharam para baixo e a maioria ficou incrédula. Talvez tivessem razão, pois Portugal não estava habituado a este tipo de feitos. Queiroz não se deteve e no ano seguinte no Europeu'88 alcançou o segundo lugar perdendo apenas no prolongamento diante da poderosa URSS.
Apesar do feito, poucos levavam a sério as ambições de Queiroz, que passavam inicialmente pela revolução de mentalidades. "Há 20/25 anos, quando atravessávamos a fronteira, era tudo melhor: hotéis, estradas, aviões, até as miúdas eram mais giras. Por isso costumo dizer que, quando começava o jogo, já perdíamos por 0-3."
A preparação prosseguiu com Portugal a defrontar adversários tradicionalmente fortes como França, RFA, Inglaterra, Espanha, Itália e a selecção olímpica do Brasil. Queiroz inovava nos métodos e conceitos de trabalho, e em Fevereiro de 89 Portugal chegava à Arábia Saudita apenas com o estatuto de mais um entre os 16 participantes.

Tudo começou com um golo de cabeça de Paulo Alves frente aos checoslovacos mesmo a terminar a partida. No jogo seguinte o craque João Pinto decidia o desafio com um golo solitário perante a Nigéria e já qualificados perderíamos de forma estrondosa por 3-0 perante o país organizador.
Nos 1/4 de final seria Jorge Couto a decidir a contenda diante da Colômbia. Na meia-final as perspectivas não eram animadoras ao ter que se enfrentar o super-favorito Brasil, mas novo triunfo pela margem mínima, desta vez com golo de Amaral, colocava Portugal na final com a Nigéria.
No balneário, antes da final, ficaram célebres as palavras de Queiroz para os jogadores: "Vão para dentro de campo e divirtam-se." Um golaço de Abel Silva a fechar a primeira parte e outro de Jorge Couto no segundo tempo a culminar um excelente slalom davam a Portugal o primeiro título mundial!



Os heróis de Riade

Bizarro foi o guardião titular beneficiando da ausência de Vítor Baía, já na época titular indiscutível do Porto. Guarda-redes seguro e de boa envergadura, formado nas escolas do Benfica, acabou por não confirmar o que dele se esperava, fazendo uma carreira por clubes de menor nomeada como Marítimo, Leixões ou Rio Ave.
O suplente era Brassard, promovido dos juvenis, acabou por não alinhar nenhum minuto, sendo no entanto o titular dois anos depois no Mundial'91 de Lisboa. Também ele formado no Benfica e tapado por Preud'homme acabou por prosseguir a carreira no Varzim e Setúbal, onde pendurou as luvas com apenas 29 anos em virtude de uma grave lesão. Actualmente é o treinador de guarda-redes da selecção nacional.

Os laterais eram extremamente promissores: Abel Silva e Morgado, mas nenhum dos dois conseguiu firmar uma carreira à altura das expectativas. Formados no Benfica e Porto respectivamente, acabaram por não ter lugar nas equipas principais fazendo o resto da carreira noutros emblemas da 1ª divisão.
Curiosamente o central indiscutível para Queiroz foi o que teve, de longe, a carreira menos conseguida, Valido. Formado no Benfica onde nunca teve uma verdadeira oportunidade, passou depois por uma lista enorme de clubes onde se destacam o Belenenses e o Amadora.
Os outros centrais eram Paulo Madeira e Fernando Couto, que rodaram entre si nos vários jogos, tendo sido mesmo o benfiquista o preferido por Queiroz na final. Madeira efectuou uma boa carreira com passagens marcantes por Benfica e Belenenses, tendo mesmo representado o Fluminense em final de carreira. Quanto a Couto, afirmou-se como titular indiscutível do Porto no início da década de 90 tendo rumado a Itália em 94 onde representou Parma e Lazio. Jogou ainda duas épocas no Barcelona. Foi um dos melhores defesas centrais do futebol europeu na década de 90, atingindo o ponto máximo na carreira no Euro'2000 com exibições simplesmente notáveis.

O trio de centrocampistas era formado por Tozé, Hélio e Filipe. O primeiro, capitão de equipa em Riade, foi formado no Leixões, passando depois com algum sucesso pelo Tirsense, sem nunca ter atingido elevado nível. Hélio efectuou uma carreira brilhante ao serviço do Setúbal, clube que representou durante 18 temporadas. Com um pouco mais de sorte ou ambição poderia perfeitamente ter alinhado num dos grandes. Filipe era um esquerdino talentoso com dotes de organizador, que nunca conseguiu vingar no Sporting devido a graves e recorrentes lesões nos joelhos. Pode-se dizer que passou ao lado de uma grande carreira.

Os suplentes no meio-campo eram Resende e... Paulo Sousa! É verdade, aquele que ficou conhecido como o regista do futebol português, não era titular nesta selecção de Riade, alinhando inclusivamente na época como médio ala-direito! A sua carreira ímpar com os títulos europeus conquistados ao serviço da Juventus e do Dortmund, assim como as passagens com enorme sucesso por Benfica e Sporting ainda na fase inicial da carreira, falam por si. Quanto a Resende, foi formado no Benfica e efectuou uma carreira quase incógnita passando por várias equipas dos escalões secundários do futebol português.

Amaral e Jorge Couto eram os extremos titulares. Amaral, formado nas escolas do Sporting, distinguia-se por possuir uma velocidade e capacidade de aceleração notáveis, mas passou completamente ao lado de uma grande carreira. Não se afirmou em Alvalade, passou ainda pelo Benfica e Belenenses, mas depois disso foi sempre a descer. Couto fez uma carreira bastante valiosa ao serviço do Porto e Boavista. Veloz, bom executante ao nível do passe e do cruzamento, faltou-lhe qualquer coisa para ser um jogador de top...
Os suplentes, Folha e Resende, foram pouco utilizados durante a competição. Entretanto, Folha com o passar dos anos evoluiu, o que o levou a afirmar-se no Porto, chegando a ser internacional AA, embora sem nunca atingir patamares particularmente elevados. Pelo contrário, Resende, realizou uma carreira quase obscura, sempre ao serviço de formações das divisões secundárias.

A grande estrela da equipa com apenas 17 anos, o menino de ouro, João Pinto. Na altura alinhava sozinho na frente e destacava-se pela enorme habilidade, agilidade e velocidade de execução. Enorme talento precoce, sagrar-se-ia bi-campeão mundial dois anos depois em Lisboa. Formado no Boavista, não tardou a que rumasse ao estrangeiro, mais concretamente ao Atlético de Madrid, onde os tenros 18 anos e a instabilidade natural vivida no clube madrileno não o deixaram afirmar-se. Regressou ao Bessa em 91 e no ano seguinte seguia para o Benfica numa avultada transferência. Durante 8 temporadas afirmou-se como o grande símbolo das águias tendo rejeitado várias propostas milionárias do estrangeiro. Inexplicavelmente, foi dispensado em vésperas do Euro'2000 tendo assinado pouco depois do torneio pelo rival Sporting onde voltou a realizar várias temporadas de excelente nível, passando ainda por Boavista e Braga no ocaso da carreira.
Como arca secreta, o ponta de lança Paulo Alves, desengonçado, mas excelente cabeceador. Foi formado no Porto, onde nunca teve chance de se afirmar. Deu nas vistas no Marítimo, passando depois para o Sporting onde realizou algumas temporadas de bom nível que o levaram à selecção nacional.

Em jeito de conclusão, apenas 9 dos 18 campeões mundiais de Riade chegaram a internacionais AA:
Fernando Couto (110 jogos, 8 golos)
João Pinto (81 jogos, 23 golos)
Paulo Sousa (51 jogos)
Folha (26 jogos, 5 golos)
Paulo Madeira (24 jogos, 3 golos)
Paulo Alves (13 jogos, 7 golos)
Jorge Couto (6 jogos)
Filipe (3 jogos)
Hélio (1 jogo)

4 comentários:

Michel Costa disse...

Que história interessante, JP. Mesmo gostando desse tipo de competição não conhecia detalhes desse título português.
Parabéns pelo texto.
Abraços.

João Caniço disse...

Obrigado, Michel, fico lisonjeado com os elogios, ainda para mais vindo de um especialista em futebol.
O triunfo de Riade é a base para o crescimento sustentado da selecção nacional portuguesa nos últimos 20 anos, com natural destaque para as presenças positivas em recentes fases finais de grandes competições. O nome de Carlos Queiroz fica indelevelmente associado a esta conquista, assim como à seguinte, dois anos depois em Lisboa.
Abraços

Ga b riel Ba lta zar disse...

Muitos parabéns JP pelo texto referente ao passar de 20 anos após o fenómeno Carlos Queiroz.

Não fazia ideia que o João Pinto pertencia a esta equipa de Riade; julgava que pertencia à de 91;

É sem sombra de dúvidas a maior e mais marcante conquista do futebol português. É sobretudo um dia marcante na história do futebol em Portugal.

Só me continuam a causar estranheza as palavras de Queiroz em 1993 (salvo erro) em San Siro quando Portugal foi derrotado pela Itália. Esteve tanto tempo na FPF e só ali é que lhe saltou a tampa. Enfim outras histórias.

Muitos parabéns pelo texto mais uma vez.

Abraço

João Caniço disse...

Muito obrigado, Gabriel.
Pensavas bem, de facto João Pinto pertence à geração de 91, mas como tinha um extraordinário talento foi convocado por Queiroz para Riade'89 mesmo tendo apenas 17 anos na altura.
É verdade, ouso mesmo dizer que Riade revolucionou por completo todas as mentalidades ligadas ao futebol português. Este triunfo foi a base para todos os sucessos da selecção nacional nos últimos anos.
Tens razão, esse jogo de triste memória disputou-se em 1993, salvo erro em Novembro e foi o último da fase de qualificação para o Mundial'94. Portugal tinha que vencer em San Siro para conseguir o apuramento, já jogavam alguns dos jovens campeões do mundo como João Pinto, Rui Costa, Peixe, Fernando Couto, Paulo Sousa ou Figo aliados à tremenda classe de Futre. Apesar disso acabamos derrotados por um golo de Dino Baggio obtido nos instantes finais e com isso dissemos adeus aos EUA.
Sinceramente presumo que a frustração do resultado e o acumular do desgaste de muitos anos ao serviço da FPF fez 'saltar a tampa' a Queiroz...
Felizmente, que ele está de volta à FPF e com o novo e excelente projecto para voltar a dinamizar as camadas jovens da selecção que, durante os anos de consulado de Scolari, viveram completamente ao abandono... É este o futuro e não andar a naturalizar-se jogadores brasileiros! Há que apostar seriamente no jovem jogador português tal como se fez há 20/25 anos com tão bons resultados...
Quanto à qualificação para o Mundial'2010 continuo a acreditar que é perfeitamente possível estarmos na África do Sul!
Abraços